quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Sanidade



Lia para manter minha sanidade mental, diz ex-Pantera Negra preso 45 anos numa solitária


Categoria » Afro-americanos



 Ativista permaneceu detido por 45 anos na penitenciária de segurança máxima de Angola, na Louisiana


Em primeira entrevista após sair da prisão, Albert Woodfox disse que precisava ‘manter o foco na sociedade, permanecer conectado com o mundo exterior’


O ex-Pantera Negra Albert Woodfox afirmou nesta segunda-feira (22/02) que, durante o tempo em que permaneceu preso, no Estado da Louisiana, nos EUA, a leitura era um modo de “permanecer conectado com o mundo exterior” e essa conexão era única forma de não perder sanidade. Woodfox, que ficou preso por 45 anos em regime solitária, fez a declaração à emissora norte-americana Democracy Now!, na primeira entrevista que deu a um canal de televisão ou rádio após sair da prisão.
“[Ler] era uma das ferramentas que nós usávamos para permanecer focados e conectados com o mundo exterior”, disse Woodfox, ao ser perguntado se ler era permitido durante a detenção. Ele especificou que costumava ler “livros de história e sobre Malcolm X”, além de obras de Martin Luther King, Frantz Fanon e James Baldwin.

Woodfox foi libertado na última sexta-feira (19/02), dia em que completou 69 anos. Ele, a pessoa que passou mais tempo presa em uma solitária na história dos Estados Unidos, foi o último dos chamados “três de Angola” — em referência ao nome do estabelecimento prisional onde estava — a ser libertado. Woodfox integrava o grupo dos Panteras Negras, que militava por autodefesa dos negros contra o racismo e a violência policial.
Perguntado sobre o papel de Burl Cain, então diretor da penitenciária, e de Buddy Caldwell, então procurador-geral da Louisiana no caso, Woodfox afirmou que eles “desrespeitaram totalmente a Constituição, a lei, o processo legal e a falta de evidência”. “Eles apenas decidiram que éramos culpados e que fariam tudo que pudessem para nos deixar presos até morrermos”, afirmou.

O ativista destacou que foi visitar as lápides da mãe e da irmã, primeiro local aonde se dirigiu ao sair da prisão, por sentir um “vazio” ao não ter podido se despedir delas. Woodfox disse que na ocasião das duas mortes requereu uma ida ao funeral, mas em ambos os casos a Justiça negou.

A Democracy Now! entrevistou também Robert King, um dos “três de Angola”, que saiu da prisão em 2001 e passou a militar pela libertação dos companheiros. O terceiro ex-Pantera Negra, Herman Wallace, morreu de câncer em 2013, poucos dias após ter sido libertado.

 Albert Woodfox foi libertado no dia de seu aniversário de 69 anos, na última sexta-feira (19/02)

“Em 1972, eu, Herman Wallace e Robert King sabíamos que, para termos alguma chance de manter nossa sanidade e não permitir que a prisão nos destruísse, teríamos que manter nosso foco na sociedade”, disse Woodfox. O ex-Pantera Negra disse ainda que as visitas eram permitidas duas vezes por mês, mas “por conta da longa distância e da situação econômica”, os familiares não conseguiam vê-lo o quanto desejavam e geralmente o visitavam uma vez por mês.

Entenda o caso
Meses após terem sido detidos por assalto à mão armada em 1971, Woodfox e Wallace foram acusados, julgados e condenados pelo homicídio do guarda prisional Brent Miller e enviados para a solitária. King, por sua vez, foi acusado de estar envolvido na morte do guarda, mas não foi julgado; foi condenado pela morte de outro detento. Eles sempre negaram envolvimento nos crimes e afirmaram durante todo o tempo que foram colocados na solitária por lutarem por melhores condições de vida na prisão.

O programa na Democracy Now! mostrou o trecho de um documentário que mostra Teenie Verret, viúva do guarda Brent Miller, afirmando que acredita na inocência dos homens. “Se eles não fizeram isso, e acredito que não fizeram, eles estão vivendo em um pesadelo há 36 anos”, disse ela, em uma fala gravada em 2010.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Estilo e beleza!



Walé Oyéjidé estilista nigeriano fala sobre moda masculina e mais

Categoria » Variedades
 Walé Oyéjidé, estilista da Ikiré Jones


Diretamente dos EUA, onde mora atualmente, o estilista nigeriano Walé Oyéjidé da marca masculina Ikiré Jones passou pelo Brasil pra ministrar o workshop “Os Cortes da Estética Afro Futurista“, que fez parte da programação do Festival Afreaka em SP nesse último dia 18/06. A gente aproveitou pra conversar com ele sobre moda masculina e moda africana – confira!





Quem são as pessoas atraídas pelo mix de alfaiataria mais estamparia e cores africanas que você promove na Ikiré Jones?
Aprendi muito rapidamente que arte não tem dono. Nenhum artista pode controlar ou prever quem vai apreciar seu trabalho. É como lançar uma reivindicação pra alguém amar uma cor ou uma canção. Arte é pra todos, não importa quem a faz. Portanto, sim, é verdade que sou um estilista africano e que desenho baseado nessa minha herança. Mas as roupas que faço são pra todos apreciarem. O mundo está ficando menor a cada dia. Acredito que se todos abraçarmos culturas diferentes, isso vai nos fazer pessoas melhores, porque nos entenderemos melhor.

O que significa afro futurismo [tema do workshop]?
Imagino que signifique diferentes coisas pra diferentes pessoas. Pra mim, o conceito de afro futurismo é só um jeito de se distanciar dos velhos estereótipos do continente africano. Não necessariamente tem a ver com o reino da ficção científica. Qualquer um que apresente ideias corajosas e inovadoras sobre o potencial africano é um afro futurista.

Quando falamos sobre moda masculina, pessoas ainda acreditam que essa não é uma área de inovação porque homens tendem a ser mais práticos que fashionistas, homens não gostam de mudanças etc. Mas suas criações não vão por aí. Qual é a sua opinião sobre moda masculina, ela está mudando?
Acredito que estamos retornando a uma era em que homens entram na ideia de se vestir de maneira arrojada. Se você vê fotos da geração dos nossos pais, não era incomum homens usarem roupas arrojadas. Algo se perdeu, e homens nos anos 90 e 2000 ficaram preocupados, achando que roupas coloridas não eram masculinas. As coisas estão mudando devagar, e mais homens estão aprendendo a apreciar o espectro total – existe vida além do blazer azul ou cinza!

Em SP, com o festival Afreaka e outros eventos como a exposição “Africa Africans” no Museu Afro Brasil e até em marcas de moda que estudam a estética africana, parece que a África está “in”. Você tem alguma pista do por que isso está acontecendo, e por que só agora?
Bom, pra africanos a África sempre esteve “in”. Acho que estamos chegando em um lugar interessante onde as vozes que previamente eram silenciadas agora são ouvidas. Não é que eu ou outros estilistas antes de mim estamos fazendo algo novo, necessariamente, mas o mundo está começando a prestar atenção. Mas essa atenção pode fugir e pode declinar. Quando a coisa está envolvida com um estilo de vida, ela estará sempre presente. Pra muita gente, questões e estilos da África não são uma mania que será rapidamente esquecida – são a vida deles. Revistas podem parar de falar sobre moda africana ou assuntos africanos no mês que vem, mas sempre estaremos aqui fazendo o nosso.

Parece que nos países africanos as modas que surgem são muito mais ligadas, conectadas com suas origens e com o folclore do que no Brasil, onde as pessoas podem ter medo de parecer fora de moda ou cafonas se elas assumirem a felicidade e a explosão de cor das festividades tradicionais no seu dia-a-dia, por exemplo. Por outro lado, ao que tudo indica as marcas africanas acabam mais atraentes, especialmente entre estrangeiros, por causa dessa exaltação da própria cultura. Você concorda com isso? E qual seria o seu conselho pras marcas brasileiras?
Creio muito no “contar histórias autênticas”. Todos temos algo a aprender uns com os outros. Talvez algumas marcas africanas são respeitadas porque estão contando histórias que refletem sua própria história. Pessoalmente, acredito que todo mundo deveria fazer um esforço pra contar suas histórias pessoais em seus trabalhos. Se todos fizéssemos isso, saberíamos muito mais sobre o próximo. Mas na verdade, o que geralmente acontece é que pessoas tentam mimetizar o que já foi feito por outro. É difícil ser bem sucedido desse jeito. Mas se você conta sua própria verdade, ela sempre será nova e sempre será única. Existe só um Brasil. Nenhum outro país no mundo é como o Brasil. Se eu fosse sortudo o bastante em ser daqui, com uma história tão diferente, tentaria celebrar essa “identidade da diversidade”. Brasileiros tem muito pra se orgulhar, e muito pra ensinar ao mundo. Acredite ou não, isso pode ser feito pelas roupas e pela moda que se inspiram na cultura brasileira. E também acho que não podemos ter medo de confrontar as áreas mais escuras de nossa sociedade e história. Só chamando a atenção pra essas questões e discutindo-as respeitosamente que podemos crescer e nos curar.

Qual seria o seu conselho pra homens que não estão acostumados a usar cores fortes nos seus looks mas querem experimentar?
Experimenta! E aí pergunta a opinião de quem você ama. Prometo que ela ou ele vai gostar. Usar cores fortes não quer dizer que você precisa parecer um palhaço ou um desenho de criança. Existem jeitos deliciosos de vestir roupas “agressivas e gritantes”. Por exemplo: um jeans escuro com um paletó bem colorido e uma camisa branca lisa podem ficar muito elegantes. É como ser um pintor. Você precisa desenvolver um radar de quando está usando cor demais, e quando você ainda não está usando cor o bastante. Nós só aprendemos por experiência e cometendo erros. Você precisa ser corajoso o bastante pra tentar coisas novas. Algumas ideias não vão funcionar, outras vão. É assim que a gente cresce.

Você pode nos dar alguns nomes de homens que você considera estilosos hoje em dia?

Você também é um músico de afrobeat, então não conseguimos resistir: precisamos te perguntar alguns nomes novos da música africana!
Alguns músicos que eu gosto e que fazem música inspirada na África são Seun KutiAntibalasTony Allen e Ebo Taylor.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Educação e contradições na África do Sul



Prefeita sul-africana provoca polêmica e indignação com bolsas de estudo para meninas virgens
Nomsa Maseko Da BBC










 Thubelihle Dlodlo, de 18 anos, é uma das jovens que têm uma das bolsas de estudos para virgens


Thubelihle Dlodlo, de 18 anos, vive no vilarejo de Emcitsheni, na região rural de KwaZulu-Natal, na África do Sul. Ela ganhou uma bolsa de estudos condicionada a uma exigência nada comum: só poderá manter o benefício enquanto provar sua virgindade.

"Permanecer virgem é minha única chance de conseguir educação, pois meus pais não podem pagar minha escola", disse a jovem.

Dlodlo tem que se submeter a testes de virgindade, mas diz que não se importa com isso. "Testes de virgindade são parte de minha cultura, não é uma invasão de minha privacidade. E fico orgulhosa depois que confirmam minha pureza."
Grupos de defesa dos direitos humanos, porém, não pensam da mesma forma, e condenam de forma veemente iniciativas como essa.

Maioridade
Na África do Sul, a idade em jovens são considerados aptos para consentir com o sexo é de 16 anos. Há ainda uma regra que tornam ilegais as relações sexuais entre aqueles que têm entre 12 e 16 anos.

Mas Dlodlo, por exemplo, já passou dois anos da idade mínima para manter relações. E ela está apenas começando seus estudos universitários.

Ativistas afirmam que os testes de virgindade a que Dlodlo e outras estudantes têm de se submeter são uma invasão da privacidade das jovens, e que não é justo ligar chances de educação e sexo dessa forma.

 Prefeita afirma que iniciativa não condena meninas sexualmente ativas

"O que é realmente preocupante é que eles estão se concentrando apenas na menina, e isso é uma discriminação. E não tratam de problemas como a gravidez na adolescência e as taxas de infecção pelo HIV (vírus causador da Aids)", disse Palesa Mpapa, do grupo ativista People Oposing Women Abuse ("Pessoas no combate ao abuso de mulheres", em tradução livre).

A prefeita de uThukela, Dudu Mazibuko, que introduziu o programa de bolsa de estudos para meninas virgens, discorda dos ativistas.

"A bolsa de estudos não é uma recompensa, mas um investimento de uma vida inteira na vida de uma menina. Não estamos condenando aquelas que fizeram escolhas diferentes, pois as acomodamos em outras bolsas de estudo", afirmou.

O conselho do município oferece mais de cem bolsas – 16 delas foram concedidas a jovens virgens.

Tradição e cultura
 O teste de virgindade é comum nessa parte do país.

Na cultura zulu, é feito por mulheres idosas. Esses testes qualificam as jovens para a participação em uma cerimônia anual, em setembro, no palácio real do rei zulu Goodwill Zwelithini.

A prática não é ilegal no país, mas precisa ser feita com o consentimento da jovem.
 Dudu Zwane dá palestras em escolas e realiza testes de virgindade

A líder comunitária Dudu Zwane, de 58 anos, tem como missão estimular as garotas a não ter relações sexuais. Conhecida como Mãe Dudu, ela dá palestras em escolas.

"É muito importante para essas meninas se concentrar nos estudos e ficar longe dos meninos", disse.

Enfermeira aposentada, ela também faz testes de virgindade em jovens. Mãe Dudu admite que seus métodos não são científicos, mas diz que procura sinais específicos para provar que a menina nunca teve uma relação sexual.

"A condição social de mulheres jovens que continuam virgens aumenta. Muitas meninas se orgulham dos resultados depois dos testes", disse.

A ministra de Desenvolvimento Social sul-africana, Bathabile Dlamini, questionou recentemente os méritos dos testes.

Em uma declaração que chocou os mais tradicionalistas do país, ela afirmou que a prática funciona como um "elogio a outras práticas prejudiciais, como a mutilação genital feminina".





Testes de virgindade são comuns na cultura zulu

Orgulho
Nas regiões mais rurais de KwaZula-Natal a virgindade é celebrada, e permanecer "pura" é motivo de orgulho para as famílias.

Dlodlo diz que as amigas dela também são virgens e a invejam pelo fato de ela ter recebido uma bolsa de estudos.

Ela afirma não ter namorado porque não quer ser pressionada a manter relações sexuais. "Quero ser um modelo."

Alguns setores da sociedade veem os testes de virgindade como uma resposta para diminuir os números da gravidez na adolescência e de infecção pelo HIV.

O número de jovens gestantes tem disparado na África do Sul. Em 2013, eram 100 mil adolescentes grávidas, ante 81 mil em 2012 e 68 mil em 2011, segundo dados de um levantamento ligado ao Banco Mundial.

De cada mil estudantes, 180 ficam grávidas ou engravidaram jovens.


Número de adolescentes grávidas vem crescendo na África do Sul

O Conselho de Educadores da África do Sul e o departamento de educação consideram os dados como indicativos de uma crise sem precedentes. As escolas do país oferecem educação sexual, e a assistência maternal é grátis.

A África do Sul já tem o maior número de pessoas vivendo com o HIV no mundo todo. Mais alarmante ainda é que os números de infecção são maiores entre mulheres da faixa etária entre 15 e 24 anos.

Depois da polêmica, a Comissão de Direitos Humanos do país diz que investigará se o programa de bolsas de estudo para meninas virgens é contra a Constituição.