quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A tragedia africana continua...

Terror do Boko Haram é descrito pelas crianças em desenhos

Publicado há 8 meses - em 18 de abril de 2015 » Atualizado às 11:38 
Categoria » Africanos




Refugiados nigerianos participam de programa da Unicef em campo. Elas desenham cenas de ataques, com sangue e fogo.
Do G1






Quando as crianças que sobreviveram ao Boko Haram desenham no campo de refugiados de Dar-es-Salam, na Tanzânia, as atrocidades que sofreram na Nigéria, o resultado é chocante: rostos ensanguentados, corpos sem cabeça, casas incendiadas.

Diante da grande tenda de campanha branca da Unicef, dezenas de crianças em trapos empoeirados se empurram, riem, antes de serem convocadas a manter a ordem.

Todas querem participar da oficina de desenho organizada no espaço “Amigos das crianças”, no Chade, onde este campo de refugiados se localiza.

O silêncio se instala rapidamente entre as crianças assim que elas recebem uma folha em branco e canetas. O tema do dia é doloroso e cada uma se concentra para reconstituir os acontecimentos dos quais foram testemunhas quando os islamitas atacaram seus povoados.

Sumaila Ahmid diz ter 15 anos, mas aparenta apenas 12.
“No dia do ataque estávamos diante de nossa porta quando vimos os Boko Haram. Foram na direção das pessoas que estavam na beira d’água e as fuzilaram, dispararam na cabeça”, conta o menino, de olhos amendoados.

Depois, desenha cadáveres flutuando em um rio. “Algumas conseguiram subir em canoas, estão fugindo. As outras estão mortas”, relata, sem pestanejar.

Outro desenho, outra cena chocante. “Este homem está em sua casa. Está consertando-a, mas ouviu o tiroteio do lado de fora. Quando sai para ver o que está acontecendo, um integrante do Boko Haram chega diante da casa, atira e a incendeia”, explica Nur Issiaka, também de 15 anos.

E, como se contasse uma história banal, conclui: “O homem tenta sair, mas não pode porque toda a casa está ardendo”. O homem morrerá, queimado vivo.

Crianças nigerianas participam de terapia da Unicef em campo de refugiados no dia 6 de abril (Foto: Philippe Desmazes/AFP)

Familiaridade com a tragédia
“Desde que começaram esta atividade (o desenho), as crianças se precipitam para se inscrever”, explica o responsável pela atividade, Ndorum Ndoki.

A equipe do campo de refugiados tenta identificar as que se isolam, ou as que parecem se familiarizar demais com a tragédia vivida, para impedir que fiquem traumatizadas, afirma Ndoki.

Todas as tardes, as oficinas de desenho também permitem que outros temas sejam tratados, como o amor ou a escola, entre duas partidas de futebol.

Cerca de 800 crianças estudam na “escola de urgência”, constituída por oito grandes tendas de campanha abertas em janeiro pela Unicef.

“Antes, não conheciam nada da escola, embora algumas seguissem um ensino corânico. Algumas jamais haviam tido uma caneta entre as mãos, mas aqui aprendem rápido”, afirma Umar Martin, um educador camaronês que vivia na Nigéria há anos, e que se somou aos 18.000 refugiados que precisaram fugir ao Chade.

Nos bancos da escola, também há jovens com mais de 20 anos querem aprender a ler e a escrever.

De canoa ou a pé, estas crianças e jovens precisaram fugir desesperadamente, perseguidos pelos insurgentes nigerianos até as águas do fronteiriço lago Chade. Entre elas, mais de 140 chegaram sem seus pais, que se perderam na confusão da fuga ou foram mortos pelo Boko Haram.

Mahamat Alhadji Mahamat, de 14 anos, levou uma semana para chegar ao campo de refugiados de Dar-es-Salam. Com seus tios, ia avançando durante as noites de ilha em ilha do grande lago, e se escondia durante o dia.

Em seu desenho, alguns pássaros voam junto a um caminhão repleto de fuzis de diversos tamanhos.

“Jamais poderei esquecer o que vi ali”, afirma, com um sorriso tímido. “Há crianças que nasceram durante a fuga. Quando me encontro com elas, no acampamento, não posso deixar de pensar em tudo isso…”.

“Mas quero aprender, e um dia voltarei para minha casa, para a Nigéria…”, afirma.
Tags: boko haram

sábado, 5 de dezembro de 2015

O apartheid e suas tragicas historias

Hamilton Naki: O jardineiro cirurgião


Categoria » Africanos










 Hamilton Naki nasceu em 26 de junho de 1926, de uma família negra e pobre em uma pequena aldeia do estado de Cabo do Leste, na África do Sul, de nome Ngcingane. Lá, ele completou seu curso primário. Com 14 anos, foi à procura de trabalho na Cidade do Cabo, arranjando emprego de jardineiro na Universidade da Cidade do Cabo.

Poucos anos depois, passou a trabalhar cuidando dos animais cobaias do laboratório.  Curioso e com vontade de aprender, transformou-se num faz tudo da clínica cirúrgica e foi se envolvendo nos procedimentos cirúrgicos em animais, incluindo suturas, anestesias e cuidados pós-operatórios. Apesar da sua carência de estudos formais, sua técnica e capacidade foram reconhecidas por Dr. Christiaan Barnard (primeiro médico a realizar um transplante de coração bem sucedido), que o requisitou para a sua equipe. Anos depois, Barnard teria dito: “se dada oportunidade, o Sr Hamilton Naki poderia ter sido melhor cirurgião que eu”. Durante o trabalho com Dr. Barnard, Naki se converteu em técnico de laboratório de pesquisa da Faculdade de Medicina, recebendo, assim, permissão especial para continuar suas pesquisas em cirurgia experimental, incluindo transplantes. Ele ensinava os estudantes de medicina e médicos recém-formados, técnicas cirúrgicas, embora nunca pudesse ter trabalhado como médico de humanos por causa das leis racistas do apartheid.

Há controvérsia sobre sua participação no primeiro transplante de coração bem sucedido entre seres humanos, feito em 3 de dezembro de 1967, quando foi retirado o coração de Denise Darvall, doadora do coração transplantado para Louis Washanky. O transplante foi realizado no Groote Schuur Hospital, na África do Sul. Por não ter diploma, ele não poderia ter participado da cirurgia, e, por ser negro, não poderia ter contato com pacientes brancos, a não ser como “médico clandestino”. Ele também não podia aparecer nas fotografias da equipe e, quando por acaso foi fotografado, foi identificado pela direção da faculdade como um simples faxineiro. Mas, mesmo registrado nos documentos do hospital como faxineiro e jardineiro, Naki recebia salário de técnico de laboratório, o mais alto do hospital para alguém sem diploma. Vivia em casebre de um quarto numa favela da periferia sem saneamento ou energia elétrica.

Naki se aposentou em 1991, e, após quatro décadas de trabalho na Faculdade de Medicina, passou a receber o salário de jardineiro, cerca de 280 dólares, muito inferior ao de técnico de laboratório. Ele conseguiu doações de seus ex-alunos e continuou trabalhando como cirurgião em um ônibus adaptado como clínica móvel. Na época, o Dr. Barnard disse sobre Naki: “Foi um dos maiores pesquisadores de todos os tempos no campo dos transplantes de coração”.

O fim do apartheid ocorreu em 1994, com a eleição de Nelson Mandela para a presidência da África do Sul.  Em 2002, como reconhecimento pelo seu trabalho, Naki foi condecorado com a Ordem Nacional de Mapungubwe, mais alta honraria por contribuição à ciência médica. Em 2003, recebeu um diploma honorário em medicina pela Universidade da Cidade do Cabo.

Com o reconhecimento adquirido após o término do apartheid, Naki se tornou famoso mundialmente, mas nunca se lastimou pelas injustiças sofridas. Em um determinado momento, em entrevista, confirmou sua participação no primeiro transplante de coração:  ele teria extraído o coração da doadora. No entanto, não há quaisquer referências e registros “oficiais” sobre o fato. A história  desse transplante pioneiro atribui a Marius Barnard (irmão de Christiaan) e Teray O’Donovan a captação do órgão da doadora.

Naki morreu em 29 de  maio de 2005, aos 78 anos, em sua casa na cidade de Langa, próximo à Cidade do Cabo.

Em 2008,  foi lançado o filme HIDDEN HEART:Hamilton Naki and Christiaan Barnard-  A verdadeira história do primeiro transplante de coração. Direção de Cristina Karrer e Werner Schweizer. (www.hidden-heart.com).

sábado, 14 de novembro de 2015

Heróis da alegria e da dor. É o exemplo, a própria vida.

Filha de Carolina de Jesus diz que não conseguiu ler livro mais famoso da mãe
Camila Maciel – Repórter da Agência Brasil
“15 de julho de 1955 – Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente, somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar...” Trecho de abertura do livro O Quarto de Despejo, 1960







As lembranças da infância na favela do Canindé, zona norte de São Paulo, ainda emocionam a professora Vera Eunice de Jesus Lima, 61 anos. Filha de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), uma das primeiras escritoras negras do Brasil, ela contou que nunca conseguiu ler por completo o livro mais famoso da mãe, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. “Leio pedaços. Começo a ler, leio, abro. Não é um livro que consigo ler na sequência”, disse.

Lançado em 1960, o livro foi um grande sucesso na época, ao reunir os relatos da vida na favela – um universo que começava a surgir nas cidades brasileiras – e revelar o cotidiano simples e forte de uma mulher negra, catadora e mãe de três filhos, que escrevia nos cadernos que encontrava no lixo. Carolina estudou apenas um ano e meio na escola formal, mas mantinha o hábito da leitura.

Carolina Maria de JesusAudálio Dantas

A conversa com a professora ocorreu durante uma visita à exposição Carolina em Nós, no Museu Afro Brasil, na capital paulista. Ela estava acompanhada de alunos de ensino médio de uma escola pública na qual leciona. Os estudantes não desconfiavam, contudo, que a própria professora era filha da homenageada. “Eles estão aí e olham para mim, não estão entendendo, porque não sabem [que sou filha dela]. Estão andando e não entendem o que acontece”, disse. Ela informou que a ideia é trabalhar o tema da consciência negra em novembro com os estudantes, quando a origem de Vera será revelada. “Será uma surpresa”, afirmou.

Desde o ano passado, muitas organizações e movimentos, especialmente de cultura e de mulheres negras, estão prestando homenagens a Carolina Maria de Jesus pelo centenário de nascimento da escritora, que também gravou discos. No depoimento de Vera, é possível aproximar um pouco do universo de Carolina e conhecer mais sobre sua vida, obra e personalidade.

O centenário
"Até eu estou assustada com a repercussão [das comemorações do centenário] e de como os negros estão valorizando a Carolina, porque estão se espelhando nela. Tem várias Carolinas agora que também estão escrevendo, estão procurando mais o lado da cultura. Como uma pessoa que nasce como ela nasceu, lá na casa de sapê, pau a pique, consegue chegar onde ela chegou, sendo conhecida mundialmente?", questionou Vera.
Saiba Mais
Carolina viveu altos e baixos. Ela sofreu demais em Minas Gerais. Depois veio para cá, ficou na favela, foi tendo os filhos e quando o Audálio [Dantas, jornalista] descobriu oQuarto de Despejo [publicado a partir dos diários pessoais de Carolina], que lançou o livro, ela ficou no auge. Diz que nunca houve nem haverá uma escritora no Brasil para vender mais livros como ela vendeu em uma semana. Depois,  ficou meio afastada, foi a época em que ficou esquecida e agora, no centenário, ela explodiu.

A mãe e a escritora
Era uma mulher forte, determinada, lutadora, criou os filhos, não dava moleza. Era brava, mas se ela resolvesse que não ia te dar uma entrevista, não dava. Não havia quem fizesse ela falar. Mas, como mãe, tinha aqueles momentos de ternura, me punha no colo, bem preocupada em arrumar comida para a gente. E, nas horas em que, como ela dizia, tinha comida em casa, essas músicas que estão tocando [nos alto-falantes do museu tocam os discos lançados por Carolina], a gente cantava. Todos os filhos tocavam violão, ela ensinou. Imagina, a minha mãe catava papel o dia inteiro e com três filhos para comer, meu irmão adolescente. “Esse homem é famélico”, como ela falava. Com essa situação, não podia estar sempre calma, tranquila.

A paixão pelos livros
Essa história vem lá de Sacramento [MG]. A mãe dela era casada e apareceu o pai de Carolina na praça. Era um negro repentista, inteligentíssimo. A mãe dela ia na praça, se apaixonou e nasceu Carolina. Minha mãe, já de pequena, era diferente. Como ela falava: “Eu era uma negrinha feia e chata”. Ela queria saber de tudo, era muito curiosa. A mãe dela a levou para o Eurípedes de Barsanulfo, que era um médium, e ele falou: “Ela não é chata. Sua filha vai ser uma escritora, uma poetisa”. Daí, a mãe respondeu: “O que será? Que doença é essa?”. Aí, quando as pessoas falavam: “Nossa, a negrinha é chata, né?”, ela respondia: “Não, minha filha é poetisa”. A mãe dela nem sabia o que era.
Uma fazendeira, dona Maria Leite, disse: “Vamos colocá-la na escola”. Estudou um ano e meio. Não queria ir de jeito nenhum, mas depois tomou gosto pela escola. Ela dizia que no primeiro dia de aula queria ir embora, porque queria mamar. E a professora dela, só teve esta, chamava Lenita, disse: “Você vai estudar e não vai mamar, Carolina Maria de Jesus”. Ela nunca tinha ouvido o nome dela, ouviu ali. Até então, era Bitita.

A mudança para São Paulo
Ela veio a pé. [Primeiro, conseguiu emprego como doméstica, mas depois precisou ficar na rua com o nascimento do primeiro filho]. Ela ficava na rua e era para vir um político famoso, então pegaram todos os pobres que estavam aí, colocaram em um caminhão e mandaram para o Canindé. Conseguiu umas madeiras e fez o barraco. Ela mesmo carregou na cabeça. Carolina falava que toda a força da vida dela vinha da cabeça, tanto para escrever, quanto para carregar o saco de papel.

A vida depois da favela
Nós fomos para Santana. Imagina, um lugar de classe média alta e chega lá uma mãe solteira, negra, três filhos, que tinham saído da favela. Vinha um ônibus e ficava a rua inteira [de fotógrafos, jornalistas]. Aquilo incomodava o dia inteiro. Minha mãe gostava de música, colocava [o volume] nas alturas, dançava sozinha a noite inteira. Os vizinhos não aguentavam aquele barulho. A gente abria a porta e tinha gente, fila, para pedir as coisas a ela, que tentava atender. Virou um inferno. Eles não suportavam a gente lá. Um dia, ela chegou em casa às 7h da manhã e disse: “Vamos embora”. E nós fomos para Parelheiros, um sítio. "Ali tem as árvores que ela plantou, a casa está do mesmo jeito. Eu penso em fazer um museu lá".

Edição: Lílian Beraldo

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O rica cultura do Maranhão engrandece este Brasil.



Ubirajara e Alzira Fidalgo e a experiência política do Teatro Profissional do Negro

Publicado há 1 semana - em 3 de outubro de 2015 » Atualizado às 12:36
Categoria » Patrimônio Cultural - Portal Geledes











 
O Teatro Profissional do Negro (TEPRON) concebido por Ubirajara e Alzira Fidalgo no início da década de 1970 no Rio de Janeiro, capacitava, fazia política e crítica social dentro dos palcos em uma época em que a temática da negritude era constantemente abrandada e utilizada a serviço do ideal enganoso da miscigenação integradora, difundida pelo governo militar brasileiro. Enquanto a questão racial era abafada nas ruas e nas instituições pelos gritos de “democracia racial”, Ubirajara e Alzira fundavam um dos primeiros teatros que buscaram a inserção real do negro no campo das artes cênicas.


Natural de Caxias, Maranhão, Ubirajara Fidalgo nasceu em 1949 e iniciou sua trajetória teatral em 1968, ainda em São Luis, quando ingressa no curso de iniciação teatral de Jesus Chediak. Mais tarde participa do curso de Formação de Atores na Universidade do Maranhão partindo em 1970 para a Universidade do Rio de Janeiro. Na capital carioca inaugura os trabalhos do TEPRON participando enquanto diretor e ator principal da montagem de Otelo, de Shakespeare, encenado em 1970 no Teatro Tereza Rachel. A partir daí Ubirajara lança as bases para seu trabalho autoral no âmbito do teatro, debutando em 1973 com a peça “Os Gazeteiros” com elenco exclusivamente negro.

Sua participação fora dos palcos, no movimento negro, foi intensa até a sua morte em 1986. Ubirajara passa pelo Clube Renascença, importante centro de mobilização do negro carioca e participa de debates nos Centros Populares de Cultura da UNE (CPCs) e em redes de rádio e televisão. Além de seu trabalho enquanto dramaturgo, ator, produtor e diretor, nunca se afastou da militância tendo participação fundamental na fundação do Instituto de Pesquisa da Cultura Negra (IPCN) e da Associação Cultural de Apoio as Artes Negras (ACAAN) junto ao historiador e escritor negro Joel Rufino dos Santos. No entanto, seu projeto mais importante e original foi sem sombra de dúvidas o Teatro Profissional do Negro, construído ao lado da figurinista e cenógrafa Alzira Fidalgo ainda na primeira metade da década de 1970.

Dando continuidade ao projeto de Abdias do Nascimento no Teatro Experimental do Negro fundado em 1944, Ubirajara Fidalgo e Alzira Fidalgo se preocuparam não só com a capacitação teatral do negro pobre (foram pioneiros na aproximação entre o palco e os negros das periferias) ou com a composição étnica negra do teatro (“Queria ver negros interpretando papéis de cidadãos!”, disse Ubirajara certa vez). “A verdadeira base para o teatro negro é o texto”, dizia Ubirajara, e nesse sentido, o TEPRON se prestava a catalisar a produção de teatral não apenas encenada, mas escrita por negros.

Não se aplicava, no TEPRON, a resposta paternalista de “dar voz ao oprimido”. O oprimido tem voz e fala, ele só não é ouvido – ou tem o seu discurso reprimido e reconduzido por aqueles que muitas vezes procuram lhe dar voz. Ciente disso Ubirajara Fidalgo buscou unir a atuação a oficinas de teatro e construção de peças com a comunidade negra, buscando autonomizar a produção teatral abrindo caminho para o surgimento da figura, tornada tão rara, (ainda!) do “dramaturgo negro”. Posição esta revolucionária na medida em que já naquela época tocava num ponto tão caro aos movimentos contemporâneos de cultura negra: autonomia de produção.

Dentro de um mercado perverso de financiamento cultural e da quase ausência de políticas culturais voltadas para os negros, atualmente, o produtor cultural negro ou míngua face a impossibilidade de sustentar sua produção cultural por falta de recursos ou aceita as restrições e mudanças que folclorizam o seu conteúdo pasteurizando-o enquanto mercadoria passível de ser financiada. Atinente ao seu projeto de autonomização da produção cultural negra, o teatro para Ubirajara dependeria de bilheteria, e por isso a qualidade da produção era fundamental para a relação de engajamento do público com a obra. Essa relação vai além do simples consumo cultural e estabelece vínculos mais duradouros não só com a obra em si, mas com a temática racial que aborda e com o teatro negro enquanto realidade.


O teatro de Ubirajara se pretendia além de autônomo, real.  Essa realidade podia ser vista na recusa do descolamento de sua dramaturgia da situação objetiva do negro brasileiro. O paroxismo dessa junção texto/realidade era alcançado nos debates pós-espetáculo realizados no TEPRON que buscavam junto ao público presente e convidados, debater coletivamente a crítica social e a problemática negra a partir do discurso teatral.


Maranhense, Ativista do Movimento Negro em uma época tensa, Ubirajara Fidalgo foi incisivo nas críticas ao racismo, a discriminação no Brasil contemporâneo, o preconceito, a homofobia, a misoginia, desigualdade social e a ditadura militar. Como dramaturgo, foi autor do musical “Gazeta”, da comédia “A Boneca da Lapa”, do monólogo “Desfuga”, do drama “Fala pra eles Elisabete”, e da peça “Tuti”, uma tragicomédia sobre um triângulo amoroso entre uma prostituta, seu cliente e uma aristocrata gaúcha, que seria sua última obra em vida.

Nascido em 1949, morre precocemente por insuficiência renal em 1986, com 37 anos, alguns textos inéditos, trabalhos inconclusos e potencial não explorado pelo tempo que deixou vago. Ainda assim, o trabalho de Ubirajara e Alzira Fidalgo permanece ainda hoje, como exemplo de um projeto político amplo e coerente que através do teatro possibilitou a construção coletiva de espaços autônomos ocupados por negros, aliando sempre a capacitação profissional à formação política e social que consistia a base da crítica da realidade racial do nosso país. Coube à dramaturgia política praticada no TEPRON escancarar a opressão racial colocando o próprio negro pra falar sobre ela, e mostrando por fim, que a sorte é rala e a farinha é pouca para os pretos desse país.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Lamentavel perda de vidas



Tragédia na Arábia Saudita: o que se sabe até agora




 
Mais de 700 peregrinos morreram, a maioria pisoteados, e pelo menos 860 ficaram feridos após um tumulto ocorrido na última quinta-feira durante o Hajj, como é chamada a peregrinação anual à cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita.

Autoridades sauditas deram início a uma investigação sobre o que motivou a tragédia, mas ainda há muitas questões a serem respondidas.

Confira o que se sabe até agora.

Quando e onde a tragédia aconteceu?
As autoridades de defesa civil da Arábia Saudita dizem que o tumulto aconteceu por volta das 9h locais (3h de Brasília) na quinta-feira no cruzamento das ruas 204 e 233 da cidade de Mina, um grande vale localizado a cinco quilômetros ao leste de Meca.

Os peregrinos estavam caminhando de uma área coberta em direção a uma grande estrutura com vista para os pilares de Jamarat, onde o ritual de apedrejamento do diabo é conduzido.

O que causou a tragédia?
 
Segundo um porta-voz do Ministério do Interior saudita, o major-general Mansour al-Turki, investigações iniciais apontam que duas multidões vindas de direções contrárias se chocaram no cruzamento das ruas 204 e 223. Como resultado, houve empurra-empurra e pânico.

O que não está claro é como tudo aconteceu. Testemunhas afirmam que uma rua próxima havia sido fechada, forçando aqueles que se dirigiam ao local do ritual a usar a mesma rota que aqueles que deixavam o espaço.

Por sua vez, o ministro da Saúde saudita, Khaled al-Falih, optou por culpar os peregrinos, sugerindo que alguns deles teriam "caminhado sem seguir as instruções indicadas pelas autoridades competentes". O Irã, no entanto, instou o governo saudita a assumir a responsabilidade pelo incidente.

Testemunhas dizem que fazia muito calor no momento da tragédia, o que teria contribuído para disseminar o pânico.
A rua onde o tumulto aconteceu tem 12 metros de largura e é ladeada por grandes portões, por trás dos quais ficam as tendas montadas para acomodar os peregrinos.

De onde eram as vítimas?
As vítimas são de diferentes nacionalidades. Segundo autoridades sauditas, a maior parte dos mortos é de origem iraniana (131). Mas há também indianos (14), paquistaneses (6), turcos (4), indonésios (3), quenianos (3) e egípcios (8).
Entre os mortos, há também cidadãos do Níger, Chade, Argélia e Marrocos, mas os números ainda não foram confirmados. O governo do Afeganistão afirmou que pelo menos oito peregrinos do país estão desaparecidos.

Quais medidas de segurança foram tomadas?
 
Nos últimos anos, as autoridades sauditas alegam ter gastado bilhões de dólares para melhorar o transporte e outros tipos de infraestrutura, na intenção de evitar tragédias como a que ocorreu na última quinta-feira.

A tragédia poderia ter sido evitada?
O tumulto aconteceu do lado de fora do complexo de cinco andares Jamarat Bridge, concluído em 2007. A estrutura teve um custo exorbitante, para, segundo alega o governo saudita, aumentar a segurança dos peregrinos.

Cerca de 5 mil câmeras de segurança monitoram a área que engloba Meca e Medina. Além disso, 100 mil agentes de segurança foram deslocados para o evento deste ano.
Frente ao número crescente peregrinos que participam do Hajj, o governo também vem atuando, nos últimos quatro anos, na ampliação da Grande Mesquita.

No entanto, no início deste mês, um guindaste caiu sobre o local durante uma tempestade, deixando mais de 100 mortos.