quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A tragedia africana continua...

Terror do Boko Haram é descrito pelas crianças em desenhos

Publicado há 8 meses - em 18 de abril de 2015 » Atualizado às 11:38 
Categoria » Africanos




Refugiados nigerianos participam de programa da Unicef em campo. Elas desenham cenas de ataques, com sangue e fogo.
Do G1






Quando as crianças que sobreviveram ao Boko Haram desenham no campo de refugiados de Dar-es-Salam, na Tanzânia, as atrocidades que sofreram na Nigéria, o resultado é chocante: rostos ensanguentados, corpos sem cabeça, casas incendiadas.

Diante da grande tenda de campanha branca da Unicef, dezenas de crianças em trapos empoeirados se empurram, riem, antes de serem convocadas a manter a ordem.

Todas querem participar da oficina de desenho organizada no espaço “Amigos das crianças”, no Chade, onde este campo de refugiados se localiza.

O silêncio se instala rapidamente entre as crianças assim que elas recebem uma folha em branco e canetas. O tema do dia é doloroso e cada uma se concentra para reconstituir os acontecimentos dos quais foram testemunhas quando os islamitas atacaram seus povoados.

Sumaila Ahmid diz ter 15 anos, mas aparenta apenas 12.
“No dia do ataque estávamos diante de nossa porta quando vimos os Boko Haram. Foram na direção das pessoas que estavam na beira d’água e as fuzilaram, dispararam na cabeça”, conta o menino, de olhos amendoados.

Depois, desenha cadáveres flutuando em um rio. “Algumas conseguiram subir em canoas, estão fugindo. As outras estão mortas”, relata, sem pestanejar.

Outro desenho, outra cena chocante. “Este homem está em sua casa. Está consertando-a, mas ouviu o tiroteio do lado de fora. Quando sai para ver o que está acontecendo, um integrante do Boko Haram chega diante da casa, atira e a incendeia”, explica Nur Issiaka, também de 15 anos.

E, como se contasse uma história banal, conclui: “O homem tenta sair, mas não pode porque toda a casa está ardendo”. O homem morrerá, queimado vivo.

Crianças nigerianas participam de terapia da Unicef em campo de refugiados no dia 6 de abril (Foto: Philippe Desmazes/AFP)

Familiaridade com a tragédia
“Desde que começaram esta atividade (o desenho), as crianças se precipitam para se inscrever”, explica o responsável pela atividade, Ndorum Ndoki.

A equipe do campo de refugiados tenta identificar as que se isolam, ou as que parecem se familiarizar demais com a tragédia vivida, para impedir que fiquem traumatizadas, afirma Ndoki.

Todas as tardes, as oficinas de desenho também permitem que outros temas sejam tratados, como o amor ou a escola, entre duas partidas de futebol.

Cerca de 800 crianças estudam na “escola de urgência”, constituída por oito grandes tendas de campanha abertas em janeiro pela Unicef.

“Antes, não conheciam nada da escola, embora algumas seguissem um ensino corânico. Algumas jamais haviam tido uma caneta entre as mãos, mas aqui aprendem rápido”, afirma Umar Martin, um educador camaronês que vivia na Nigéria há anos, e que se somou aos 18.000 refugiados que precisaram fugir ao Chade.

Nos bancos da escola, também há jovens com mais de 20 anos querem aprender a ler e a escrever.

De canoa ou a pé, estas crianças e jovens precisaram fugir desesperadamente, perseguidos pelos insurgentes nigerianos até as águas do fronteiriço lago Chade. Entre elas, mais de 140 chegaram sem seus pais, que se perderam na confusão da fuga ou foram mortos pelo Boko Haram.

Mahamat Alhadji Mahamat, de 14 anos, levou uma semana para chegar ao campo de refugiados de Dar-es-Salam. Com seus tios, ia avançando durante as noites de ilha em ilha do grande lago, e se escondia durante o dia.

Em seu desenho, alguns pássaros voam junto a um caminhão repleto de fuzis de diversos tamanhos.

“Jamais poderei esquecer o que vi ali”, afirma, com um sorriso tímido. “Há crianças que nasceram durante a fuga. Quando me encontro com elas, no acampamento, não posso deixar de pensar em tudo isso…”.

“Mas quero aprender, e um dia voltarei para minha casa, para a Nigéria…”, afirma.
Tags: boko haram

sábado, 5 de dezembro de 2015

O apartheid e suas tragicas historias

Hamilton Naki: O jardineiro cirurgião


Categoria » Africanos










 Hamilton Naki nasceu em 26 de junho de 1926, de uma família negra e pobre em uma pequena aldeia do estado de Cabo do Leste, na África do Sul, de nome Ngcingane. Lá, ele completou seu curso primário. Com 14 anos, foi à procura de trabalho na Cidade do Cabo, arranjando emprego de jardineiro na Universidade da Cidade do Cabo.

Poucos anos depois, passou a trabalhar cuidando dos animais cobaias do laboratório.  Curioso e com vontade de aprender, transformou-se num faz tudo da clínica cirúrgica e foi se envolvendo nos procedimentos cirúrgicos em animais, incluindo suturas, anestesias e cuidados pós-operatórios. Apesar da sua carência de estudos formais, sua técnica e capacidade foram reconhecidas por Dr. Christiaan Barnard (primeiro médico a realizar um transplante de coração bem sucedido), que o requisitou para a sua equipe. Anos depois, Barnard teria dito: “se dada oportunidade, o Sr Hamilton Naki poderia ter sido melhor cirurgião que eu”. Durante o trabalho com Dr. Barnard, Naki se converteu em técnico de laboratório de pesquisa da Faculdade de Medicina, recebendo, assim, permissão especial para continuar suas pesquisas em cirurgia experimental, incluindo transplantes. Ele ensinava os estudantes de medicina e médicos recém-formados, técnicas cirúrgicas, embora nunca pudesse ter trabalhado como médico de humanos por causa das leis racistas do apartheid.

Há controvérsia sobre sua participação no primeiro transplante de coração bem sucedido entre seres humanos, feito em 3 de dezembro de 1967, quando foi retirado o coração de Denise Darvall, doadora do coração transplantado para Louis Washanky. O transplante foi realizado no Groote Schuur Hospital, na África do Sul. Por não ter diploma, ele não poderia ter participado da cirurgia, e, por ser negro, não poderia ter contato com pacientes brancos, a não ser como “médico clandestino”. Ele também não podia aparecer nas fotografias da equipe e, quando por acaso foi fotografado, foi identificado pela direção da faculdade como um simples faxineiro. Mas, mesmo registrado nos documentos do hospital como faxineiro e jardineiro, Naki recebia salário de técnico de laboratório, o mais alto do hospital para alguém sem diploma. Vivia em casebre de um quarto numa favela da periferia sem saneamento ou energia elétrica.

Naki se aposentou em 1991, e, após quatro décadas de trabalho na Faculdade de Medicina, passou a receber o salário de jardineiro, cerca de 280 dólares, muito inferior ao de técnico de laboratório. Ele conseguiu doações de seus ex-alunos e continuou trabalhando como cirurgião em um ônibus adaptado como clínica móvel. Na época, o Dr. Barnard disse sobre Naki: “Foi um dos maiores pesquisadores de todos os tempos no campo dos transplantes de coração”.

O fim do apartheid ocorreu em 1994, com a eleição de Nelson Mandela para a presidência da África do Sul.  Em 2002, como reconhecimento pelo seu trabalho, Naki foi condecorado com a Ordem Nacional de Mapungubwe, mais alta honraria por contribuição à ciência médica. Em 2003, recebeu um diploma honorário em medicina pela Universidade da Cidade do Cabo.

Com o reconhecimento adquirido após o término do apartheid, Naki se tornou famoso mundialmente, mas nunca se lastimou pelas injustiças sofridas. Em um determinado momento, em entrevista, confirmou sua participação no primeiro transplante de coração:  ele teria extraído o coração da doadora. No entanto, não há quaisquer referências e registros “oficiais” sobre o fato. A história  desse transplante pioneiro atribui a Marius Barnard (irmão de Christiaan) e Teray O’Donovan a captação do órgão da doadora.

Naki morreu em 29 de  maio de 2005, aos 78 anos, em sua casa na cidade de Langa, próximo à Cidade do Cabo.

Em 2008,  foi lançado o filme HIDDEN HEART:Hamilton Naki and Christiaan Barnard-  A verdadeira história do primeiro transplante de coração. Direção de Cristina Karrer e Werner Schweizer. (www.hidden-heart.com).