Terror do Boko Haram é descrito pelas crianças
em desenhos
Refugiados nigerianos participam de
programa da Unicef em campo. Elas desenham cenas de ataques, com sangue e fogo.
Do G1
Quando as crianças que sobreviveram ao
Boko Haram desenham no campo de refugiados de Dar-es-Salam, na Tanzânia, as
atrocidades que sofreram na Nigéria, o resultado é chocante: rostos
ensanguentados, corpos sem cabeça, casas incendiadas.
Diante da grande tenda de campanha
branca da Unicef, dezenas de crianças em trapos empoeirados se empurram, riem,
antes de serem convocadas a manter a ordem.
Todas querem participar da oficina de
desenho organizada no espaço “Amigos das crianças”, no Chade, onde este campo
de refugiados se localiza.
O silêncio se instala rapidamente entre
as crianças assim que elas recebem uma folha em branco e canetas. O tema do dia
é doloroso e cada uma se concentra para reconstituir os acontecimentos dos
quais foram testemunhas quando os islamitas atacaram seus povoados.
Sumaila Ahmid diz ter 15 anos, mas
aparenta apenas 12.
“No dia do ataque estávamos diante de
nossa porta quando vimos os Boko Haram. Foram na direção das pessoas que
estavam na beira d’água e as fuzilaram, dispararam na cabeça”, conta o menino,
de olhos amendoados.
Depois, desenha cadáveres flutuando em
um rio. “Algumas conseguiram subir em canoas, estão fugindo. As outras estão
mortas”, relata, sem pestanejar.
Outro desenho, outra cena chocante.
“Este homem está em sua casa. Está consertando-a, mas ouviu o tiroteio do lado
de fora. Quando sai para ver o que está acontecendo, um integrante do Boko
Haram chega diante da casa, atira e a incendeia”, explica Nur Issiaka, também
de 15 anos.
E, como se contasse uma história banal,
conclui: “O homem tenta sair, mas não pode porque toda a casa está ardendo”. O
homem morrerá, queimado vivo.
Crianças nigerianas participam de
terapia da Unicef em campo de refugiados no dia 6 de abril (Foto: Philippe
Desmazes/AFP)
Familiaridade com a tragédia
“Desde que começaram esta atividade (o desenho), as crianças se precipitam para se inscrever”, explica o responsável pela atividade, Ndorum Ndoki.
“Desde que começaram esta atividade (o desenho), as crianças se precipitam para se inscrever”, explica o responsável pela atividade, Ndorum Ndoki.
A equipe do campo de refugiados tenta
identificar as que se isolam, ou as que parecem se familiarizar demais com a
tragédia vivida, para impedir que fiquem traumatizadas, afirma Ndoki.
Todas as tardes, as oficinas de desenho
também permitem que outros temas sejam tratados, como o amor ou a escola, entre
duas partidas de futebol.
Cerca de 800 crianças estudam na “escola
de urgência”, constituída por oito grandes tendas de campanha abertas em
janeiro pela Unicef.
“Antes, não conheciam nada da escola,
embora algumas seguissem um ensino corânico. Algumas jamais haviam tido uma
caneta entre as mãos, mas aqui aprendem rápido”, afirma Umar Martin, um
educador camaronês que vivia na Nigéria há anos, e que se somou aos 18.000
refugiados que precisaram fugir ao Chade.
Nos bancos da escola, também há jovens
com mais de 20 anos querem aprender a ler e a escrever.
De canoa ou a pé, estas crianças e
jovens precisaram fugir desesperadamente, perseguidos pelos insurgentes
nigerianos até as águas do fronteiriço lago Chade. Entre elas, mais de 140
chegaram sem seus pais, que se perderam na confusão da fuga ou foram mortos
pelo Boko Haram.
Mahamat Alhadji Mahamat, de 14 anos,
levou uma semana para chegar ao campo de refugiados de Dar-es-Salam. Com seus
tios, ia avançando durante as noites de ilha em ilha do grande lago, e se
escondia durante o dia.
Em seu desenho, alguns pássaros voam junto
a um caminhão repleto de fuzis de diversos tamanhos.
“Jamais poderei esquecer o que vi ali”,
afirma, com um sorriso tímido. “Há crianças que nasceram durante a fuga. Quando
me encontro com elas, no acampamento, não posso deixar de pensar em tudo isso…”.
“Mas quero aprender, e um dia voltarei
para minha casa, para a Nigéria…”, afirma.
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