Temer e
Congresso querem cassar a Lei Áurea e a Lei dos Sexagenários?
Date:
09/05/2017
in: Em Pauta,
Esquecer? Jamais
Por mais
que parte do agronegócio e da indústria considerem que a Lei Áurea traz
prejuízos à competitividade do país, gostaria de manifestar meu apoio à
manutenção essa lei.
Por Leonardo
Sakamoto Do Blog do Sakamoto
Sei que isso pode parecer
extremista e até antipatriótico em um momento em que Michel Temer, seus
principais ministros e muitos deputados federais e senadores atravessam
madrugadas em claro buscando reduzir seus efeitos através da aprovação de
grandes reformas.
Mas acredito que a Lei Áurea (Lei
Imperial 3353/1888) segue atual. E que os custos para manter a liberdade e um
mínimo de dignidade aos trabalhadores não são o principal motivo pela qual
nossa economia segue lenta feito um cágado. Pelo contrário, apenas um país
com homens e mulheres livres e respeitados é capaz de crescer de forma
justa e democrática.
O governo federal e o Congresso
Nacional não irão revogar a proibição ao direito de uma pessoa ser proprietária
de outra (não que a consulta não deva ter sido feita), mas aprovar uma
série de medidas que podem reduzir seres humanos a instrumentos
descartáveis de trabalho, impedir a fiscalização e o resgate de
pessoas escravizadas e enfraquecer a lei que pune esse crime. O que na prática,
dá no mesmo.
Muitos ficaram assustados com o
projeto de lei da Reforma Trabalhista Rural (PL 6442/2016), de Nilson
Leitão (PSDB-MT). Seu texto dúbio e mal escrito abre porteira para a
remuneração não-salarial, o que é claramente inconstitucional. Esse ponto,
se aprovado dessa forma, seria derrubado rapidamente pela Suprema Corte. Mas
esse é o bode na sala, a distração.
O coração do projeto quer
diminuir a proteção à dignidade do trabalhador no campo, cortando
elementos que protegem sua saúde e segurança. O que inclui estender a
jornada de trabalho de acordo com a necessidade do patrão, abrir a
possibilidade de vender integralmente as férias e de ”adiar” os finais de
semana, tornar facultativo banheiro, água potável e local de descanso para
frentes de trabalho de ”difícil acesso”, reduzir o adicional noturno, entre
várias outras propostas.
Audiência pública com parlamentares da base aliada
no Palácio do Planalto
Ao mesmo tempo, o parecer
substitutivo do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator do projeto de
Reforma Trabalhista (projeto de lei nº 6787/2016), aprovado na Câmara dos
Deputados, chegou a propor uma medida que dificultava a responsabilização
de empresas por trabalho escravo.
A proposta afastava “a
responsabilidade solidária ou subsidiária de débitos e multas trabalhistas”
quando “empregadores da mesma cadeia produtiva” estabelecem negócio
jurídico “ainda que em regime de exclusividade”. Traduzindo: seria difícil
processar empresas que deixam sua produção a cargo de terceirizadas que
usam trabalho escravo. Como ocorre com nomes conhecidos do vestuário ou da
construção civil. Como ocorre com nomes conhecidos do vestuário ou da
construção civil. Após intensa pressão social, esse item foi alterado no
projeto que, agora, tramita no Senado como PLC 38/2017.
A reforma quantifica quanto
custa um trabalhador, ao limitar o valor de indenização a 50 vezes de
seu último salário. No caso de quem ganha um salário mínimo isso equivalerá, no
máximo, a R$ 46.850,00. Também estabelece contratos intermitentes, em que
o trabalhador pode ser chamado a qualquer hora, não sabendo quanto ganhará
no final do mês e de quanto será seu descanso, entre outras mudanças.
Isso sem contar que há, pelo
menos, três propostas no Congresso Nacional para reduzir o conceito de trabalho
escravo. Um deles é o projeto de lei 3842/2012, do deputado federal
Moreira Mendes (PSD-RO). As outra estão no projeto de atualização do
Código Penal, por sugestão dos então senadores Luiz Henrique da Silveira
(PMDB-SC) e Blairo Maggi (PR-MT), hoje ministro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, e no projeto que regulamenta a emenda 81/2014 (antiga PEC do
Trabalho Escravo, que prevê o confisco de propriedades em que trabalho
escravo for encontrado e sua destinação à reforma agrária ou ao uso
habitacional urbano), por sugestão do senador Romero Jucá (PMDB-RR) –
hoje, relator da Reforma Trabalhista.
Todos querem retirar condições
degradantes e jornada exaustiva do artigo 149 do Código Penal, que conceitua o
crime. Hoje, são quatro elementos que podem definir escravidão
contemporânea no Brasil: trabalho forçado, servidão por dívida, condições
degradantes (abaixo da linha de dignidade, que põem em risco a saúde, a
segurança e a vida do trabalhador) e jornada exaustiva (levar ao
trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também
colocando em risco sua saúde, segurança vida).
Querem que escravagista seja
apenas quem usa pelourinho, chicote e grilhões e não quem nega a dignidade aos
trabalhadores. Com a mudança no conceito, milhares de pessoas que, hoje,
estão sob escravidão simplesmente vão se tornar invisíveis. Em outras
palavras, querem abolir a escravidão chamando-a por outro nome. Por
exemplo, ”probleminha trabalhista”.
Por fim, vale lembrar que não é
apenas a Lei Áurea que está ameaçada pelo governo federal e o Congresso
Nacional, mas também sua antecessora, a Lei
Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei dos Sexagenários (Lei Imperial
3270/1885). Ela garantiu liberdade às pessoas escravizadas com mais de 65 anos.
Apesar de ser bastante rechaçada
pelos escravagistas na época, teve pouco efeito prático, seja porque nessa
idade os trabalhadores já haviam sido moídos a vida inteira e não conseguiam
produzir mais, seja porque os fazendeiros registravam as pessoas com
idades mais novas do que realmente tinham para fugir da lei.
Neste momento, o governo federal
e o Congresso Nacional estão querendo extinguir a alforria aos 65 dos idosos
pobres através da Reforma da Previdência.
Quem alcança 65 anos e tem renda
per capita familiar inferior a 25% do salário mínimo, hoje, hoje, tem
direito a solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O governo Michel
Temer propôs subir para 70 anos a idade mínima e o relator da reforma,
Arthur Maia (PPS-BA) para 68. Esse pessoal, que é quem mais precisa de
ajuda do Estado porque trabalhou a vida inteira e não conseguiu se aposentar,
será punido, tendo que esperar mais tempo.
E quem for pobre e não conseguir
contribuir por 25 anos (trabalhadores assalariados urbanos e rurais) e 15
anos (trabalhadores rurais da economia familiar), mas tiver renda familiar
apenas um pouco mais acima do limite estabelecido pelo governo, não terá
acesso ao salário mínimo do BPC. Ou seja, ficará no limbo – sem receber o
benefício, mas sem conseguir se aposentar. Dados da Previdência Social
mostram que 80% da população não conseguem contribuir por 25 anos.
É surpreendente que, prestes a
completar 129 anos da Lei Áurea, neste sábado (13), tenhamos ainda que nos
preocupar com esse tipo de coisa.
Considerando a violência aberta
contra indígenas e trabalhadores rurais e o poder de influência da
bancada ruralista sobre o governo federal em nome da governabilidade e das
reformas, podemos supor que estamos preparando um retorno triunfal
ao Brasil Império.
Só falta extinguir a República.
Desconfio que, desde que se mantenha o feriado, a maior parte da população nem
irá notar a diferença.