Índia:
queda do preço do petróleo beneficia governo, mas não chega à população
Luis A. Gómez | Calcutá - 06/03/2016 - 07h00
Baixa internacional permitirá que país economize 470 milhões de dólares
este ano; população fica apenas com um quarto dos benefícios, diz economista
Suresh trabalha todas as tardes
como taxista. Conduz um carro novo, branco, que seu patrão comprou com um
empréstimo bancário com juros fixos. Entre as 10 e 12 horas de turno diárias, o
taxista tem, sem falta, que encher o tanque de gasolina pelo menos uma vez por
dia. “Mas essa questão do petróleo internacional não se vê nos postos de
gasolina”, diz, sorrindo. E, ainda que alguns tipos de combustível tenham
baixado alguns centavos em 2015, este jovem de 26 anos não disfruta da aparente
bonança que o preço do petróleo internacional traz para a Índia. Ele pode viver
com o que ganha? “Sim. Os preços da comida e outras coisas não subiram muito
nesses tempos...”
Entre outras coisas, explica
Xavier Dias, jornalista econômico editor do boletim Minas, Minérios e
Direitos, o ganho com a baixa do preço internacional do petróleo não está
chegando às pessoas do país, que “não estão percebendo mudança alguma em sua
vida doméstica. É pior ainda, porque a Índia continua sem produzir nada, apenas
minérios e outras matérias-primas, e a economia rural se debilita a cada ano.”
Wikicommons
Plataforma
de extração de petróleo na região de Mumbai High no Mar da Arábia
“Os preços não baixaram”, pelo
menos em Calcutá, diz Subrata Bose, um carpinteiro de 38 anos, funcionário de
uma empresa que vende móveis pela internet. Bose percorre a cidade todos os
dias em uma moto da companhia, visitando casas para montar móveis ou
repará-los. “Não soube que os preços baixaram”, comenta, depois, pensativo.
Pelo menos, lembra ele, nos últimos três ou quatro meses tudo se manteve mais
ou menos igual.
Mas o combustível baixou. Talvez
o que acontece é que pouco é percebido. O governo de Narendra Modi baixou o
preço da gasolina regular e do diesel em cinco ocasiões desde novembro do ano
passado. A última vez foi no dia 1 de fevereiro, quando a gasolina baixou 4
centavos e o diesel, 3. No total, as baixas de preço somam 6,97 rúpias [cerca
de R$ 0,40] para o diesel e 4,02 [R$ 0,23] para a gasolina. Atualmente, um
litro de gasolina custa 59,95 rúpias [R$ 3,40]. Com o dólar a 68 rúpias [R$ 3,80],
o desconto é mínimo, equivalente apenas ao custo de uma viagem curta de ônibus.
Respiramos mal, mas economizamos
mais
Em geral, quando o combustível
sobe, todos os preços dos produtos do mercado local começam a subir, comenta
Suresh Deb. O motorista pertence à nova onda de taxistas nas cidades da Índia,
envolvidos com alguma das companhias que operam digitalmente, e que conduzem um
pequeno sedan branco de fabricação local. “Ganho pouco, mas não estou
desesperado”, explica, “pouco a pouco meu patrão paga o empréstimo (de quase 8
mil dólares) e as pessoas usam cada dia mais o serviço: temos preços melhores
que os táxis tradicionais, e nossas unidades são melhores”. O taxista se mostra
confiante, apesar de não perceber uma melhora substancial em suas finanças.
O governo reconhece que a queda
dos preços internacionais permitirá (com a redução de alguns centavos) que a
Índia economize cerca de 470 milhões de dólares no ano fiscal atual. Com um
modelo energético baseado no carvão e sendo um país importador de hidrocarbonetos,
a economia parece ser significativa.
Wikicommons
Porto de
Chennai, em Tamil Nadu, uma das maiores cidades da Índia
E o consumo continua crescendo:
em 2015, a Índia se transformou no terceiro país em consumo de petróleo e seus
derivados no planeta, atrás da China e dos Estados Unidos. De acordo com o
colunista da Forbes Jude Clemente, o consumo de combustível cresceu
cerca de 20%, sobretudo porque os preços dos carros caíram (20%) e metade deles
funciona a diesel.
A este boom automotriz, que
Clemente relaciona ao crescimento da classe média na Índia e à produção
energética “suja” (entre combustível e carvão), há também um “dano colateral”:
entre as 20 cidades mais poluídas do mundo, 14 são metrópoles indianas, como
Nova Déli (número 1), Calcutá, Mumbai e Patna. A qualidade do ar – em um país
praticamente sem mecanismos de controle e medição de contaminantes – é pior do
que na China.
E a economia é somente fiscal.
Segundo o economista Paranjoy Guha Thakurta, especialista em hidrocarbonetos e
editor do semanário Economical & Political Weekly, as reduções nos
preços têm a finalidade de recolher mais impostos indiretos. “O governo indiano
transferiu ao consumidor apenas uma quarta parte dos benefícios da queda dos
preços", diz Thakurta.
O trem da vida
É nas ferrovias indianas onde
talvez se nota melhor essa falsa estabilidade. Com o maior sistema público de
transporte terrestre desse tipo, a Índia conta com quase 65 mil quilômetros de
ferrovias e transporta anualmente 9 bilhões de passageiros por todo o
território. Os preços, que variam entre US$ 0,20 e US$ 80, mudaram pouco. Mas
desde que Narendra Modi chegou ao poder em 2014 o Estado economizou 1 bilhão de
dólares na compra de diesel para as locomotivas.
No orçamento para as ferrovias
nesse ano fiscal, apresentado há alguns dias no Parlamento, não há mudanças
substanciais nas políticas de preços nem melhorias na infraestrutura. Mais
além, como explica a pesquisa econômica realizada anualmente para a elaboração
do orçamento geral, o Produto Interno Bruto não crescerá nem sofrerá alterações
notáveis.
Wikicommons
Milhões
de pessoas, a maioria composta por migrantes da zona rural moram em condições
paupérrimas, como em barracas
Tudo indicaria que a economia se
estabiliza e que o crescimento acelerado (7,5%) desse país apenas será freado.
No entanto, as estatísticas também mostram que “960 milhões de pessoas (68% da
população da Índia) vivem com menos de 2 dólares por dia, 700 milhões de
pessoas não têm acesso a sistemas energéticos modernos baseados no petróleo e
310 milhões nem sequer contam com eletricidade”, afirma Paranjoy Guha.
Algumas razões e nenhuma
perspectiva
“É claro que a imagem
internacional parece mostrar um país estável”, explica Xavier Dias. Em parte,
aprofunda, porque quase ninguém sabe que, por exemplo, depois de o embargo
contra o Irã ser revogado, a Índia comprou um imenso carregamento de petróleo
em um negócio fantástico. “Nem as pessoas sabem que temos um grande tratado com
o Qatar, de onde vem a maior quantidade de gás que consumimos: é um pagamento
posterior que, além disso, é feito em rúpias, sem levar em conta o valor da
nossa moeda.”
De fato, aponta Dias, “é essa
economia imensa que permite que Modi governe. Quando os preços voltarem a
subir, esse governo cai”. De acordo com uma análise recente de Guha, a Índia
seria o país com menor desenvolvimento econômico entre os maiores consumidores
de petróleo. “Os indianos consomem 41,5 litros de hidrocarbonetos por dia e
vivem até os 66 anos, enquanto os norte-americanos consomem 9,8 litros e chegam
até os 80 anos de idade", explica.
“Não sei”, reflete Suresh
enquanto conduz seu táxi. “Se os preços subirem poderia ser difícil. Talvez não
haja clientes ou meu patrão não possa pagar o banco”, e, nesse momento,
pergunta já em outro tom de voz: “isso pode acontecer?”
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