sexta-feira, 29 de junho de 2018

Salvar nosso mundo


Danos da política ambiental de Trump podem ser irreversíveis

Relatório aponta que prejuízos ambientais já causados pelo atual governo americano resultarão em 80 mil mortes adicionais a cada nova década.





Desmantelamento de regulações ambientais já era promessa de campanha do republicano

Quando o presidente Donald Trump assumiu o cargo, em janeiro de 2017, imediatamente se empenhou em cumprir sua promessa eleitoral de desmantelar a legislação ambiental dos Estados Unidos.

As promessas não foram feitas apenas em seus discursos de campanha, mas também inseridos na plataforma do Partido Republicano, adotada durante a convenção da legenda, em agosto de 2016.

"O establishment ambiental se transformou numa elite servindo a interesses próprios, presa à mentalidade da década de 1970", postulava o documento. "A abordagem deles é baseada em ciência ruim, tática de medo e regulação centralizada de comando e controle."

Agora, após 18 meses de Trump na Casa Branca, especialistas concluíram que as mudanças já efetuadas causarão danos difíceis de um governo futura reverter, podendo resultar em 80 mil mortes adicionais por razões de saúde nas próximas duas décadas.

Um ensaio de análise publicado em junho pelos cientistas David Cutler e Francesca Dominici, da Universidade de Harvard, examina especificamente os impactos sobre a saúde das alterações nas políticas da Agência de Proteção Ambiental (EPA) americana a respeito de poluentes atmosféricos e produtos químicos tóxicos.

A cifra de 80 mil mortes extras foi calculada com base nos dados da própria agência. "Esta preocupante estatística captura apenas uma pequena fração dos danos cumulativos à saúde pública associados com a gama completa de retrocessos e ações sistêmicas proposta pela administração Trump", alertam os autores do relatório. A EPA respondeu, afirmando que o ensaio "não é um artigo científico, é um artigo político".

Segundo uma análise do jornal The New York Times, baseado no Environmental Regulation Rollback Tracker da Escola de Direito de Harvard, que monitora constantemente o programa de desmantelamento regulatório, o atual governo americano iniciou a anulação de 34 leis ambientais, enquanto 33 outras já foram tiradas de vigor.

Administração Trump suspendeu grande parte das restrições às indústrias poluidoras

A EPA não nega que esteja desbaratando a regulamentação ambiental do país. Trump nomeou Scott Pruitt como chefe da agência justamente para esse fim. Em seus tempos de procurador geral do estado de Oklahoma, ele era um inimigo ferrenho da EPA, tendo iniciado ações legais para impedi-la de implementar diversas regulações.

Pruitt, que no passado costumava negar a existência a existência da mudança climática, acredita que a agência é um monstro inflado, produzindo normas só por produzir, sufocando a indústria com burocracia.

Em meados de junho, ele se propôs cancelar a Regra da Água Limpa, da época do presidente Barack Obama, diluindo-a de um jeito que, segundo ambientalistas, a tornará completamente inócua. Esse é apenas o mais recente elemento regulador a ser neutralizado.

Entre as normas mais importantes em via de anulação está o Plano de Energia Limpa, também da era Obama, que visa superar a inação do Congresso em relação à mudança climática, classificando as emissões carbônicas como poluentes e assim conferindo à EPA poderes para regulá-las.

Caso esse plano seja rescindido, os EUA não disporão de nenhum instrumento para reduzir as emissões, em linha com os comprometimentos assumidos sob o Acordo de Paris, do qual Trump anunciou que seu país se retirará em 2020.

Igualmente significante é a investida da administração para eliminar os padrões de emissões para automóveis, igualmente aprovado sob Obama. Caso eliminados, isso poderia desqualificar as montadoras americanas na corrida de inovação com as firmas da China e Europa, as quais obedecem a padrões de emissões.

Lukas Ross, ativista de clima e energia da organização Friends of the Earth US, confirma que os retrocessos na EPA são parte de um programa de desmantelamento mais amplo do governo.

Scott Pruitt: negador da mudança climática colocado á frente da agência de proteção ambiental por Trump

"Trump encheu seu gabinete e as agências governamentais com seus amigos corporativos desqualificados, cujo impacto devastador sobre nosso meio ambiente não se pode subestimar. Encarregados como Scott Pruitt na EPA e Ryan Zinke no Departamento do Interior usam suas posições de poder para entregar nosso governo à indústria de combustíveis fósseis."

"Eles anularam regulações que protegem nosso ar e água limpos, e abriram monumentos nacionais americanos à exploração de gás e minérios" prossegue Ross. "Tais atentados contra proteções ambientais e de saúde pública terão impacto desastroso sobre gerações de americanos."

Segundo o ativista, as alterações mencionadas, relativas ao ar e água, e à entrega de terras públicas para mineração e extração, são as mais difíceis de se reverter. "Essas mudanças terão consequências no mundo real que, uma vez feitas, não podem ser desfeitas. Novos gasodutos e plataformas de extração podem ser eliminados por uma administração diferente, mas não as toxinas e poluentes em nosso ar, água e solo."

Ainda mais difícil, acrescentam especialistas, será restaurar o status da EPA anterior à era trumpista. A agência foi atingida por uma onda de renúncias e demissões desde que Pruitt assumiu, partindo para eliminar departamentos e programas.

O governo em Washington tem enviado memorandos intimidatórios, exigindo os nomes de especialistas em mudança climática consultados por agências federais, investigando a presença de simpatizantes ambientalistas entre os definidores de políticas, e silenciando cientistas da EPA.

A agência foi povoada de funcionários leais a Trump, até no departamento de imprensa. Após o blecaute de mídia inicial da EPA, consta que o novo pessoal de relações com a imprensa tem se concentrado em intimidar jornalistas.

Jahan Wilcox, um dos porta-vozes da EPA, teria dito a uma repórter do periódico The Atlantic, que lhe pedira um comentário sobre a renúncia de quatro altos funcionários em uma só semana: "Tenha um bom dia, você é um pedaço de lixo."

O próprio Scott Pruitt está envolvido num dos mais abrangentes escândalos de corrupção da história da política americana, acusado de empregar recursos da agência para ganho pessoal. Apesar disso, o presidente republicano se recusa a exigir sua renúncia como chefe da EPA.

"Trump continua a respaldar como chefe da instituição um homem fundamentalmente corrupto", critica o ativista Lukas Ross. "Pruitt desperdiçou milhões de dólares dos contribuintes com seu estilo de vida extravagante, em vez de proteger nosso meio ambiente."

Observadores duvidam que o advogado de profissão consiga permanecer na agência por muito mais tempo, devido à dimensão das acusações que enfrenta. Contudo Ross adverte que, mesmo que ele seja substituído por alguém que reverta a agenda de desregulação, o dano já está feito.

Até mesmo um governo federal futuro terá dificuldade de restaurar, em tempo hábil, a dilapidada EPA a sua antiga solidez e níveis de pessoal. "Uma nova administração precisaria de uma agenda realmente centrada no meio ambiente, para reverter boa parte do dano causado por Pruitt", conclui Lukas Ross.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Precisamos de Paz num Brasil em guerra


De 163 países, o Brasil é o 106º no ranking da paz mundial

Publicado em 06/06/2018 - 11:23

Por Marieta Cazarré - Repórter da Agência Brasil Lisboa





O novo relatório Global Peace Index 2018 (Índice Global de Paz 2018, em tradução livre), publicado hoje (6), avalia a paz em 163 países abrangendo 99,7% da população mundial. O Brasil, que ocupa a 106ª posição e sofre com altos índices de criminalidade e corrupção, obteve uma leve melhora no ranking em relação a 2017, quando estava em 108º. O mundo hoje tem o pior índice de paz da última década.

O Brasil, entre os 23 indicadores analisados no documento, obteve os piores resultados em homicídios, percepção da criminalidade, acesso às armas, crimes violentos e terror político.
O Brasil obteve os piores resultados em homicídios, percepção da criminalidade e acesso às armas (Marcelo Camargo - Agência Brasil)

A América do Sul registrou a segunda maior taxa de homicídios entre as regiões do globo, ficando atrás apenas da América Central e do Caribe. No mundo todo, as mortes em conflito aumentaram 264% nos últimos dez anos.

Países latino-americanos como o Chile e o Uruguai, apresentaram boas colocações no ranking, ocupando a 28ª e a 37ª posições, respectivamente.

O Brasil ficou a frente apenas da Venezuela (143º) e da Colômbia (145º), entre os latino-americanos.

Menos paz

De maneira geral, o índice global de paz piorou 0,27% no último ano. Foi o quarto ano consecutivo de pioras, com 92 países apresentando deterioração dos níveis de paz e 71 apresentando melhoras.

Os países menos pacíficos do mundo, atualmente, são a Síria (posição que ocupou nos últimos cinco anos), o Afeganistão, Sudão do Sul, Iraque e a Somália. Os mais pacíficos são a Islândia (país mais pacífico do mundo desde 2008), Nova Zelândia, Áustria, Portugal e Dinamarca.

A Europa, região mais pacífica do mundo, registrou piora pelo terceiro ano consecutivo, principalmente nos indicadores sobre intensidade do conflito interno e relações com os países vizinhos. Pela primeira vez na história do índice, que está em sua 12ª edição, um país da Europa Ocidental experimentou uma das cinco maiores quedas, com a Espanha caindo sete posições no ranking e alcançando a 30ª posição, devido a tensões políticas internas e um aumento do impacto do terrorismo.

De acordo com o relatório, as tensões, crises e conflitos que surgiram na última década seguem sem resoluções, principalmente no Oriente Médio, causando um declínio gradual nos níveis de paz.

Produzido pelo Instituto para Economia e Paz (IEP - Institute for Economics and Peace), o documento é o principal "medidor" mundial da paz. Baseado em uma análise abrangente de dados, traz atualizações sobre tendências da paz global, valores econômicos e definições de critérios para qualificar sociedades pacíficas.

Os 23 indicadores, qualitativos e quantitativos, medem os níveis de paz utilizando três domínios temáticos: o grau de militarização, segurança e conflitos domésticos e internacionais.

O estudo estabelece ainda oito pilares de Paz Positiva (Positive Peace, em inglês), que constituem as atitudes, instituições e estruturas que criam e sustentam sociedades pacíficas. Os pilares são o bom funcionamento do governo, a distribuição equitativa dos recursos, o livre fluxo de informações, as boas relações com os países vizinhos, os altos índices de capital humano, a aceitação dos direitos dos outros cidadãos, os baixos níveis de corrupção e o ambiente de negócios sólido.

Menos aceitação

Quanto ao pilar "aceitação dos direitos dos outros cidadãos", que avalia o respeito aos direitos humanos, igualdade de gênero, tolerâncias entre diferentes grupos e etnias e respeito aos direitos dos trabalhadores, todas as regiões do mundo apresentaram piora entre os anos de 2013 e 2016. A América do Sul, acompanhando a tendência global, também apresentou deterioração nesse quesito.

Seis das nove regiões do mundo apresentaram pioras em seus indicadores no último ano. As quatro regiões mais pacíficas (Europa, América do Norte, Ásia-Pacífico e América do Sul) sofreram deteriorações, sendo que a maior queda foi observada na América do Sul, devido à diminuição na segurança, ao aumento das taxas de encarceramento e ao impacto do terrorismo.

A Europa e a América do Norte também ficaram menos pacíficas, com 23 dos 36 países europeus apresentando piora em relação ao ano passado. A França passou da 51ª para a 61ª posição. O Reino Unido passou de 41ª para 57ª, e a Alemanha foi da 16ª para a 17ª posição.

Impacto financeiro

O impacto econômico da violência no mundo em 2017 foi de US$ 14,76 trilhões em paridade de poder de compra (PPP - purchasing power parity, em inglês). Esse valor é equivalente a 12,4% da atividade econômica mundial (produto mundial bruto) ou US$ 1.988 para cada pessoa.

O impacto econômico da violência aumentou 2% durante 2017 devido a conflitos e gastos com segurança interna, com os maiores aumentos sendo registrados na China, Rússia e África do Sul. Desde 2012, o impacto econômico da violência aumentou 16%.

Edição: Fernando Fraga