O artigo
que enfureceu a família Marinho e resultou na humilhação mundial das
Organizações Globo
Data:
25/04/2016
em: Comunicação
Artigo no jornal britânico The Guardian provocou
forte reação das Organizações Globo. Por meio de seu vice-presidente, João
Roberto Marinho, o grupo Globo insistiu para que tivesse um direito
de resposta ao texto. No entanto conseguiram apenas publicar uma
carta em inglês na área de comentários da matéria
A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff
querem seu impeachment
por David
Miranda, no O Cafezinho
A história da crise política no
Brasil, e a mudança rápida da perspectiva global em torno dela, começa pela sua mídia nacional. A imprensa e as emissoras de TV
dominantes no país estão nas mãos de um pequeno grupo de famílias, entre as
mais ricas do Brasil, e são claramente conservadoras. Por décadas, esses meios
de comunicação têm sido usados em favor dos ricos brasileiros, assegurando que
a grande desigualdade social (e a irregularidade política que a causa)
permanecesse a mesma.
Aliás, a maioria dos grandes
grupos de mídia atuais – que aparentam ser respeitáveis para quem é de fora –
apoiaram o golpe militar de 1964 que trouxe duas décadas de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as
oligarquias do país. Esse evento histórico chave ainda joga uma sombra sobre a
identidade e política do país. Essas corporações – lideradas pelos múltiplos
braços midiáticos das Organizações Globo – anunciaram o golpe como um ataque nobre à
corrupção de um governo progressista democraticamente eleito. Soa familiar?
Por um ano, esses mesmos grupos
midiáticos têm vendido uma narrativa atraente: uma população insatisfeita,
impulsionada pela fúria contra um governo corrupto, se organiza e demanda a
derrubada da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, e do Partido dos Trabalhadores
(PT). O mundo viu inúmeras imagens de grandes multidões protestando nas ruas,
uma visão sempre inspiradora.
Mas o que muitos fora do Brasil
não viram foi que a mídia plutocrática do país gastou meses incitando esses
protestos (enquanto pretendia apenas “cobri-los”). Os manifestantes não
representavam nem de longe a população do Brasil. Ao contrário, eles eram
desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas que se opuseram ao PT e
seus programas de combate à pobreza por duas décadas.
Aos poucos, o resto do mundo começou a ver além da
caricatura simples e bidimensional criada pela imprensa local, e a reconhecer
quem obterá o poder uma vez que Rousseff seja derrubada. Agora tornou-se claro
que a corrupção não é a razão de todo o esforço para retirar do cargo a
presidente reeleita do Brasil; na verdade, a corrupção é apenas o pretexto.
O partido de Dilma, de
centro-esquerda, conseguiu a presidência pela primeira vez em 2002, quando seu
antecessor, Lula da Silva, obteve uma vitória espetacular. Graças a sua
popularidade e carisma, e reforçada pela grande expansão econômica do Brasil durante
seu mandato na presidência, o PT ganhou quatro eleições presidenciais seguidas
– incluindo a vitória de Dilma em 2010 e, apenas 18 meses atrás, sua reeleição
com 54 milhões de votos.
A elite do país e seus grupos
midiáticos fracassaram, várias vezes, em seus esforços para derrotar o partido
nas urnas. Mas plutocratas não são conhecidos por aceitarem a derrota de forma
gentil, ou por jogarem de acordo com as regras. O que foram incapazes de
conseguir democraticamente, eles agora estão tentando alcançar de maneira
antidemocrática: agrupando uma mistura bizarra de políticos – evangélicos
extremistas, apoiadores da extrema direita que defendem a volta do regime
militar, figuras dos bastidores sem ideologia alguma – para simplesmente
derrubarem ela do cargo.
Inclusive, aqueles liderando a
campanha pelo impeachment dela e os que
estão na linha sucessória do poder – principalmente o inelegível Presidente da
Câmara Eduardo Cunha – estão bem mais envolvidos em escândalos de corrupção do
que ela. Cunha foi pego ano passado com milhões de dólares de subornos em
contas secretas na Suíça, logo depois de ter mentido ao negar no Congresso que
tivesse contas no exterior. Cunha também aparece no Panamá Papers, com provas
de que agiu para esconder seus milhões ilícitos em paraísos fiscais para não
ser detectado e evitar responsabilidades fiscais.
É impossível marchar de forma
convincente atrás de um banner de “contra a corrupção” e “democracia” quando simultaneamente
se trabalha para instalar no poder algumas das figuras políticas mais corruptas
e antipáticas do país. Palavras não podem descrever o surrealismo de assistir a
votação no Congresso do pedido de impeachment para o Senado, enquanto um membro
evidentemente corrupto após o outro se endereçava a Cunha, proclamando com uma
expressão séria que votavam pela remoção de Dilma por causa da raiva que
sentiam da corrupção.
Como o The Guardian reportou:
“Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da Interpol por
conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem de dinheiro.
‘Pelo amor de Deus, sim!’ declarou Silas Câmara, que está sob investigação por
forjar documentos e por desvio de dinheiro público.”
Mas esses políticos abusaram da
situação. Nem os mais poderosos do Brasil podem convencer o mundo de que o
impeachment de Dilma é sobre combater a corrupção – seu esquema iria dar mais
poder a políticos cujos escândalos próprios destruiriam qualquer carreira em
uma democracia saudável.
Um artigo do New York Times da
semana passada reportou que “60% dos 594 membros do Congresso brasileiro” –
aqueles votando para a cassação de Dilma- “enfrentam sérias acusações como
suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal, sequestro e homicídio”. Por
contraste, disse o artigo, Rousseff “é uma espécie rara entre as principais
figuras políticas do Brasil: Ela não foi acusada de roubar para si mesma”.
O chocante espetáculo da Câmara
dos Deputados televisionado domingo passado recebeu atenção mundial devido a
algumas repulsivas (e reveladoras) afirmações dos defensores do impeachment. Um
deles, o proeminente congressista de direita Jair Bolsonaro – que muitos
esperam que concorra à presidência e em pesquisas recentes é o candidato líder
entre os brasileiros mais ricos – disse que estava votando em homenagem a um
coronel que violou os direitos humanos durante a ditadura militar e que
foi um dos torturadores responsáveis por Dilma. Seu filho, Eduardo,
orgulhosamente dedicou o voto aos “militares de 64” – aqueles que lideraram o
golpe.
Até agora, os brasileiros têm direcionando sua
atenção exclusivamente para Rousseff, que está profundamente impopular devido à
grave recessão atual do país. Ninguém sabe como os brasileiros, especialmente
as classes mais pobres e trabalhadoras, irão reagir quando virem seu novo chefe
de estado recém-instalado: um vice-presidente pró-negócios, sem identidade e
manchado de corrupção que, segundo as pesquisas mostram, a maioria dos
brasileiros também querem que seja cassado.
O mais instável de tudo é que
muitos – incluindo os promotores e investigadores que tem promovido a varredura
da corrupção – temem que o real plano por trás do impeachment de Rousseff é
botar um fim nas investigações em andamento, assim protegendo a corrupção,
invés de puni-la. Há um risco real de que uma vez que ela seja cassada, a mídia
brasileira não irá mais se focar na corrupção, o interesse público irá se
desmanchar, e as novas facções de Brasília no poder estarão hábeis para
explorar o apoio da maioria do Congresso para paralisar as investigações e se
protegerem.
Por fim, as elites políticas e a
mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da democracia. Isso é um jogo
imprevisível e perigoso para se jogar em qualquer lugar, porém mais ainda em
uma democracia tão jovem com uma história recente de instabilidade política e
tirania, e onde milhões estão furiosos com a crise econômica que enfrentam.”
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Leia a
carta dos Marinho publicada na área de comentários do The Guardian: