Jornalistas
denunciam ameaças à liberdade de imprensa na Turquia
- 10/04/2016 17h13
- Istambul (Turquia)
Vladimir
Platonow* - Enviado Especial
Episódios como a prisão de
dezenas de jornalistas e a tomada à força de meios de comunicação por forças
policiais têm colocado a Turquia em uma posição incômoda do ponto de vista da
democracia e da liberdade de imprensa, denunciam profissionais de mídia e
órgãos sindicais turcos. O caso mais recente foi a invasão do maior jornal do
país, o Zaman, bem como da agência de notícias ligada ao grupo, a Cihan, por
tropas policiais leais ao presidente Recep Tayyip Erdogan, no dia 4 de março
deste ano. Ambos seguem sob intervenção estatal e grande parte dos jornalistas
foi demitida.
No momento, há 32 jornalistas
presos e 1.843 processos abertos pelo governo contra profissionais de imprensa
acusados de insultar o presidente, de acordo com a presidenta da Associação de
Jornalistas da cidade de Izmir, uma das maiores do país, Misket Dikmen.
“Queremos ajuda internacional
para a nossa situação. A imprensa na Turquia, como nunca aconteceu na nossa
história, está sob pressão intensa. Os veículos estão sendo controlados pelo
governo e muitos jornalistas estão sendo demitidos. Acreditamos que uma
sociedade onde a imprensa não é livre não se pode falar em democracia. Isto é
uma questão contra os direitos humanos, pois o direito à informação é um
deles”, disse Misket, na sede da associação.
Segundo ela, os recentes
atentados que atingiram a Turquia, creditados aos grupos terroristas Estado
Islâmico e PKK, de origem curda, não podem servir como desculpa para implantar
a censura.
“Na verdade, existe uma coisa que
é mais perigosa, que é a autocensura. Muitos jornalistas estão presos, alguns
há mais de um ano, e os julgamentos nem começaram”, denunciou Misket que, há 15
anos, comanda a associação dos jornalistas.
Chantagem
Para o jornalista Mumtazer
Turkone, que perdeu o emprego no jornal Zaman, o governo turco opera um
tipo de chantagem com os países europeus. Em troca do abrigo aos refugiados
sírios – retidos na Turquia para não saírem em massa para a Europa –, o país
conta com o “silêncio” das nações europeias que não denunciam com veemência o
atentado à liberdade de imprensa.
“O nosso governo está
chantageando a Europa, que está vendendo nossa liberdade em troca dos
refugiados. Não temos esperança de que os democratas europeus vão apoiar nossa
liberdade de imprensa”, disse Mumtazer, que é formado em ciência política e é
professor de direito na Universidade de Fatih, em Istambul.
O jornalista conta que está sendo
processado pelo governo turco por causa de um texto publicado em setembro de
2015. O juiz do caso, segundo ele, determinou uma pena de quatro anos de
prisão. Turkone destaca que, desde 2014, quando uma lei determinou que os
juízes fossem subordinados ao Ministério da Justiça, não há mais independência
no Judiciário do país.
Ele diz que não temer o futuro,
mesmo com a possibilidade de prisão. “Eu estou furioso e sem esperanças, mas
não tenho medo. Já estive preso por dois anos, 30 anos atrás, durante a
ditadura militar. A diferença é que os militares ameaçavam com armas. Agora,
ameaçam as pessoas com motivos econômicos, pois elas podem ficar sem emprego ou
ter que deixar o país”.
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Outro jornal que sofreu
intervenção estatal foi o Bugün (Hoje) que tinha circulação de 110 mil
exemplares por dia até o ano passado. Depois da tomada pela polícia e da adoção
de uma linha editorial governista, o jornal passou a vender 4 mil exemplares e
foi obrigado a fechar. O grupo também perdeu dois canais de televisão e uma
rádio.
Os jornalistas que trabalhavam no
Bugün resolveram fundar outro jornal, o Özgür Düsunce (Pensamento Livre),
veículo mais modesto, que funciona em um prédio antigo, na periferia de
Istambul. Os recursos para a empreitada vieram do bolso do próprio
editor-chefe, Mehmet Yilmaz, que investiu suas economias para dar vida ao
jornal.
“Aqui não existe um patrão.
Chamamos os amigos demitidos para trabalharmos juntos. Aqui, virou uma família.
Este jornal é um símbolo da luta por democracia pela sociedade civil. Pela
primeira vez na nossa história, um governo tomou conta dos jornais usando a
força. Talvez o governo tome conta desta redação também. Se isto acontecer, vou
pegar o meu paletó e fundar outro jornal”, disse Yilmaz.
Segundo ele, o governo pressiona
empresas a não anunciarem no Özgür e também dificulta a circulação do jornal,
fazendo pressões sobre as distribuidoras que levam os jornais aos assinantes e
às bancas.
Muitos desses veículos,
especialmente o grupo Zaman, eram ligados ao Movimento Hizmet, inspirado no
líder religioso e intelectual turco Fethullah Gülen, auto-exilado nos Estados
Unidos, após divergência política com o governo turco. No país, o Hizmet é
considerado o maior movimento organizado da sociedade civil.
Posição oficial
O governo da Turquia, por meio da
Embaixada no Brasil, informou que o país é democrático e governado pela lei,
sendo garantida a independência do Judiciário pela Constituição. Disse também
que a proteção e a promoção dos direitos humanos está entre os objetivos
primordiais do país.
“A este respeito, liberdade de
expressão e de imprensa constituem um importante pilar das políticas de
direitos humanos da Turquia. É uma liberdade fundamental, garantida pela
Constituição”, sustentou a embaixada, por e-mail.
A representação turca defendeu
também que o país tem uma comunidade jornalística vibrante, ativa e plural.
Sustentou que nos últimos anos houve uma série de reformas judiciais, alinhadas
com as tendências internacionais e princípios para a proteção e promoção da
liberdade de expressão e de imprensa.
“Na implementação dessas
reformas, também atentamos para garantir os direitos pessoais e o direito à
privacidade, tentando preservar o equilíbrio entre liberdade de expressão e de
imprensa, por um lado, com os direitos individuais e o direito pela
privacidade, por outro.”
Com relação à intervenção do
governo sobre o grupo editorial Zaman, a embaixada destacou que a nomeação de
interventores é resultado de decisões jurídicas, em processos realizados por um
Judiciário independente. “Os interventores foram designados por decisão do
Escritório de Juízes Criminais de Istambul. A Corte baseou sua decisão em
investigações em curso ligadas ao terrorismo.”
Quanto aos jornalistas presos no
país, a embaixada afirmou que, “ao contrário do que tem sido dito, essas
pessoas foram acusados por sérios crimes (como serem membros de organização
ilegal ou terrorista), que não estão relacionados com o trabalho de
jornalista”.
* O
repórter viajou com um grupo de jornalistas brasileiros a convite do Centro
Cultural Brasil-Turquia
Edição: Lílian
Beraldo
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